De uns tempos para cá, o stand-up comedy tem sido uma espécie de novelinha Malhação dos humoristas iniciantes. A partir do stand-up é que se ganha visibilidade para alçar novos voos, geralmente no audiovisual (televisão, cinema). Daí o comediante se consagra e nunca mais volta a fazer shows de stand-up, pois agora ele é uma celebridade. O lugar do stand-up comedy acaba sendo ocupado mesmo pelos anônimos, ou aqueles que seguiram carreira nos palcos (os stand-up comedians profissionais).

Ocorre que, talvez por influência da Netflix patrocinar especiais de comédia stand-up, muitos comediantes desconhecidos do grande público passaram a ganhar notoriedade no mundo todo. E isso despertou o interesse dos comediantes já consagrados a fazer um "caminho de volta" às origens.
Foi nesse contexto de revalorização do stand-up comedy que a apresentadora americana Ellen DeGeneres voltou a fazer stand-up depois de 15 anos afastada dos palcos. "Bem Relacionada" é o seu especial de stand-up para a Netflix. E mesmo depois de 15 anos, Ellen consegue fazer um show muito bem roteirizado e de certa forma inovador com os extras de perguntas e respostas com a plateia, seguindo as novas tendências do stand-up.

Ellen DeGeneres volta aos palcos com o especial de stand-up "Related" para Netflix (imagem reprodução)

Na Netflix já está começando o boom de celebridades da TV americana que estão voltando aos palcos. É o caso de Steve Martin e Martin Short, Judd Apatow (há 25 anos longe dos palcos), Adam Sandler, Marlon Wayans (principiante nos palcos, pois sua carreira começou no audiovisual protagonizando personagens cômicos).

Judd Apatow (Return), Adam Sandler (100% Fresh) e Marlon Wayans (Woke-ish) em cartaz na Netflix

Acontece que nem todos são bem-sucedidos no formato stand-up, o que não significa que não sejam engraçados ou bons profissionais. A adaptação a determinado formato leva tempo e experiência, uma retomada que não ocorre da noite para o dia. Mas há sinais de mudanças no formato stand-up com a chegada dessa galera: há uma tendência de maior sofisticação, superproduções, a existência de um telão para acrescentar imagens às piadas tornou-se praticamente mandatória. Sem contar a necessidade de diversificar a performance com músicas, incluindo a presença de músicos no palco, ou até mesmo uma interatividade maior com a plateia. Vale ressaltar que outros comediantes profissionais do stand-up (Hasan Minhaj, Natasha Leggero e Moshe Kasher, Russel Peters etc.) já vinham inovando nesse sentido, mas agora essa tendência ganha mais força. É uma fase nova que abre as portas para outras formas de se pensar a comédia stand-up e aumenta o seu "status" com a participação de nomes já consagrados, o que não tira o brilho do stand-up raiz, de cara lavada, indie.

***Mesmo considerando a gravação do especial "Jerry before Seinfeld" para a Netflix em 2017, eu não incluo Jerry Seinfeld nesta "tendência". Seinfeld sempre valorizou a comédia stand-up, mesmo depois do aclamado sucesso da sua sitcom. No documentário "Bastidores da comédia" de 2002 (também disponível na Netflix), Seinfeld já se arriscava de volta aos palcos após a fama na televisão, onde também relatou a sua percepção sobre a arte de se fazer comédia stand-up.

A cerimônia do Emmy Awards 2018 ocorreu ontem à noite e aqui você confere os vencedores na categoria comédia. 

Onde passa: Amazon Prime

Temporadas: 2 (e já foi renovada para a 3ª)

Melhor ator em série cômica: Bill Hader (Barry)

Melhor ator coadjuvante em série cômica: Henry Winkler (Barry)

Bill Hader e Henry Winkler ganhadores do Emmy por ator e ator coadjuvante (respectivamente) pela série "Barry" do HBO. (imagem: IndieWire)

Melhor atriz em série cômica: Rachel Brosnahan (The Marvelous Mrs. Maisel)

Roteiro para série cômica: Amy Sherman-Palladino (pelo episódio "Piloto" da série The Marvelous Mrs. Maisel)

Melhor direção em série de comédia: Amy Sherman-Palladino (igualmente pelo episódio "Piloto" da série The Marvelous Mrs. Maisel)

Melhor programa de animação: Rick and Morty pelo episódio "Pickle Rick" (ep 03 s 03)

Melhor curta de animação: Robot Chicken pelo episódio "Freshly Baked: The Robot Chicken Santa Claus Pot Cookie Freakout Special: Special Edition" (Adult Swim)

Teen Titans Go!: "The Self-Indulgent 200th Episode Spectacular! Pt. 1 and Pt. 2" (Cartoon Network);

Pois é, meus amigos. Stand-up comedy da Netflix também ganha Emmy! E esse eu indiquei no instagram. Ainda não segue? Segue lá: Humor Indie

Concorreram: 

The Carol Burnett Show 50th Anniversary Special (CBS);

Carpool Karaoke Primetime Special 2018 (CBS);

Full Frontal with Samantha Bee Presents: The Great American*Puerto Rico (*It´s Complicated) (TBS); 

Full Frontal with Samantha Bee Presents: The Great American*Puerto Rico (*It´s Complicated) (TBS); 

Michelle Wolf: Nice Lady (HBO); 

Patton Oswalt: Annihilation (Netflix); 

Steve Martin & Martin Short: An Evening You Will Forget For The Rest Of Your Life (Netflix)

Concorreram:

Concorreram: At Home with Amy Sedaris; Drunk History; I love you, America with Sarah Silverman; Portlandia; Tracey Ullman´s Show 

Em Comedians in Cars Getting Coffee (Netflix), o comediante americano Neal Brennan (C5; E8) enumera para Jerry Seinfeld os 4 níveis da comédia:

Isso significa que se você se acha engraçado, não necessariamente você terá sucesso enquanto comediante. Fazer os amigos rirem é fácil, difícil é chegar ao nível 3. O nível 4 é a consagração, e Brennan está certo ao se posicionar neste nível. O seu especial de comédia da Netflix, 3 Mics, é uma nova abordagem da forma de conduzir um stand-up, se é que podemos chamar de stand-up, uma vez que o stand-up comedy é só uma vertente do seu show, que se divide em: stand-up; desfechos de piada (one liners) e desabafo emocional pesado (emotional stuff). Melhor conceituar como a própria Netflix conceitua: "especial de comédia". Portanto, o 4º nível da comédia é o da inovação, que vai fazer com que os demais comediantes queiram te imitar e surfar na onda.

No twitter, a comediante brasileira Carol Zoccoli escreveu:

A comedian’s growth in phases:
1. When we’re comfortable with silence
2. When we stop thinking “when I’m going to make it?”
3. When we stop trashing other comics

*3 was never seen before, but technically it’s possible

— Carol Zoccoli (@carolzoccoli) 31 de agosto de 2018

Que numa livre tradução seria:

Me parece que o 3º nível/estágio do comediante estaria associado ao 4º nível da comédia, quando você se torna tão icônico que não precisa mais criticar os colegas. Mas como a própria Carol colocou, é "tecnicamente possível, porém nunca visto antes". O que nos faz pensar que um comediante ter uma postura egoísta diante do outro (e não alegre, amistosa, como se espera, em tese, de quem faz piadas) é mais comum do que o imaginário popular quer acreditar. O comediante é um profissional como qualquer outro e não se pode esperar dele que ele seja o tempo inteiro só sorrisos.

Retornando ao especial de comédia 3 Mics, de Neal Brennan, na parte "emotional stuff" ele descarrega todo o seu histórico de depressão e de usuário de medicamentos/tratamentos pesados para tentar aliviar a dor. Não raro, nos deparamos com casos de comediantes famosos (4º nível da comédia) que se suicidaram (Robin Williams é um exemplo marcante). E não é de hoje que temos visto "especiais de comédia" com uma abordagem mais dramática.

Judy Carter, em seu livro The Comedy Bible, escrito em 2001, já alertava que a maioria dos seus amigos/colegas comediantes não eram pessoas palhaças e extrovertidas no seu dia-a-dia. Um encontro de comediantes poderia facilmente se transformar numa noite nietzschiana com conversas depressivas (que virariam piadas!).

A internet inteira já deu a sua opinião formada sobre o especial de stand-up (comedy?) da australiana Hannah Gadsby na Netflix. É o must-have (ou must-watch!) do humor. 

"Todo mundo precisa assistir"

"É um soco no estômago"

"Oh meu Deus! Alguém precisava falar sobre isso"

"O humor tem que acabar mesmo!!!!11"

Ok. Me deixa um tanto curiosa (na verdade, não) como certas opiniões são reproduzidas em blogs não especializados que querem surfar na euforia. Mas agora que sou um blog especializado™, também quero dar meu pitaco:

Achei importantes as questões que ela levantou, mas sinto que ela parte de uma premissa equivocada.

Ela assume que precisa abandonar a profissão de comediante porque a piada traz "suavidade" para o que não deveria ser encarado dessa forma. E daí ela traz questões bem relevantes para reflexão até do ponto de vista intelectual, passando do feminismo, lesbianismo até a história da arte. Hannah Gadsby quer dar um basta na forma irresponsável como a comédia trata assuntos sérios (seríssimos).

Tudo o que ela falou foi especial, necessário (sim) e me emocionou. Mas.

Me pareceu uma generalização não suficiente para se abandonar a comédia como forma de expressão. Ela mesma pode mudar o jeito de se fazer comédia sem precisar usar do autoflagelo. Abandonar a comédia me parece uma opção contraproducente.

Entendi de forma particularizada: que ela sente necessidade de buscar outra coisa na vida. Ok, é um momento pessoal. E merece todo o apoio.

Porém, é temerário universalizar. Acredito na função social do humor não só para quem recebe a piada, mas também para quem a faz; ajuda a elaborar os traumas, mesmo com relação a assuntos tão sérios (e que não perdem sua seriedade mesmo que considerados num enquadramento cômico).

Por fim, concordo com todas as resenhas da internet que colocam o especial Nanette como icônico. Sim, é. Se puder assistir, o faça e se permita provocar e constranger pelo riso no melhor sentido que a arte proporciona. Na minha opinião, o especial é um marco na história do humor e é impossível assistir sem refletir sobre tudo o que foi abordado. Nesse sentido, Hannah Gadsby conseguiu executar a sua proposta com maestria e merece, sim, toda a reverência que lhe é atribuída.

Se todo mundo curte o Choque de Cultura, então eu sou contra.

Brincadeira, eu gosto sim.

Não tem como escrever sobre o Choque de Cultura sem parecer que quem está digitando é o Maurílio da Kombi Branca, 84. (Aliás, me sinto o Maurílio da Kombi o tempo inteiro neste blog)

E foi esse canal do youtube (ou uma playlist do canal Omeleteve) que eu trouxe pro blog como indicação de humor indie brasileiro.

Momento palestrinha: com os maiores nomes do transporte alternativo™ analisando, num esquema "mesa redonda", a sétima arte (geralmente filmes blockbusters em exibição nos cinemas), os vídeos são um primor não só na caricatura, como no texto, na atuação, na direção e na montagem/edição. É muita nuance, muita sutileza mesmo. 

Referência: pegada Hermes e Renato

Humor: nacional

Comédia: inteligente

Quote favorita: "Eu to trabalhando num curta metragem lá em Linhares no interior do Espírito Santo, mas meu celular continua com o mesmo número, qualquer coisa vocês podem me ligar, eu tenho facilidade de abandonar o projeto a qualquer momento." - Maurílio, Choque de Cultura #7

Fiquei triste ao ver a personagem Karola da novela das 9 da Globo recitando "achou errado, otário" em pleno horário nobre da televisão brasileira de forma bastante aleatória. Achei que Choque de Cultura já tinha ido longe demais. Mas graças a Deus foi uma cena isolada (até porque eu não assisto a novela o tempo inteiro pra confirmar).

Vc sabe que a piada é boa quando ela te faz rir. Mas quando a piada é excelente ela te faz chorar.

Eu classifico Master of None como uma série de humor indie, daquelas que tocam o coração. Os episódios giram em torno da vida do personagem Dev (Aziz Ansari) e seus amigos com temáticas bastante atuais sobre o posicionamento do "millennial" no mundo, relacionamentos (amorosos ou não), novos olhares e abordagens (a questão da minoria indiana, por ex.), os desejos e angústias que nós millennials partilhamos.

Não sei se reforçada pela minha lua em peixes, mas no episódio 2 ("Pais") da primeira temporada escorreu uma lágrima no canto do meu olho direito.

Não pra menos, Aziz ganhou o Globo de Ouro por melhor ator em série de comédia (2018), além da série já ter sido diversas vezes indicada e vencedora em outras importantes premiações da área. (Gosto de sinalizar premiação, pois ganha credibilidade)

Stand-up comedy: Para além da série, busquei os especiais de stand-up de Aziz Ansari na Netflix (Burried Alive e Live at Madison Square Garden) e já não me encantei tanto (o show de Ivete no Madison é mais icônico). Muito do seu texto já tinha sido reproduzido com maestria™ em Master of None, de modo que seu stand-up acabou virando piada velha (figurinha repetida) pra mim.

A Netflix já anunciou que tem interesse em renovar a série, vamos aguardar ansiosos, esfregando as mãozinhas.

(imagem reprodução)

Nem todos os especiais de stand-up comedy da Netflix são, por assim dizer, indie™. Como eu estou aqui para te poupar tempo na árdua batalha de pesquisar o que assistir na Netflox (e te convencer a dar uma segunda chance para a categoria "comédia stand-up"), aqui vai a primeira sugestão do blog pra vc dar play sem rodeios.

De uns tempos para cá, tenho pesquisado stand-up comedians mulheres (quero tentar a carreira de stand-up pra complementar a renda de roteirista freelance). Não vou usar a desculpa de feminismo porque ainda não decidi quais os limites do humor e encontrei muita comediante ruim na minha pesquisa. Mas em nome da sororidade: não existe comediante mulher ruim, você é que não pegou a referência correta.

A dica do blog vai para o especial da maravilhosa Christina P - Mother Inferior. Christina traz uma abordagem bem peculiar e atual sobre infância, maternidade e millennials (falou de millennials, pegou na ferida - e como diria o meme do Brasil que eu quero: se tem uma coisa que tem que acabar é o jovem). 

Dado curioso 1: o sobrenome de Christina é Pazsitzky. Achei muito acertado da parte dela abreviar pra P.

Dado curioso 2: ela é casada com o comediante Tom Segura [sem trocadilho] que também tem especiais na Netflix e com quem divide um podcast/canal no youtube.